Galdino Pataxó
Galdino Pataxó
Assassinado | 1997
Brasília, BRA |
– |
– |
Abril de 1997 |
Nascido na Bahia no ano de 1952, Galdino Jesus dos Santos era uma liderança indígena muito representativa da etnia pataxó-hã-hã-hãe, situada no município de Pau Brasil, ao sul da Bahia. Vindo de um povo que hoje conta com pouco mais de 2 mil representantes, era porta-voz da luta pela demarcação das terras pataxós, uma luta que, em 1986, já tinha matado um de seus 11 irmãos.
No dia 19 de abril de 1997, o então presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso, junto com outras autoridades, promoveu uma reunião com sete lideranças indígenas, entre elas Galdino, para levar suas reivindicações acerca da recuperação da Terra Indígena Caramuru-Paraguaçu, em conflito fundiário com fazendeiros.
Por ser “Dia dos Povos Indígenas”, ele ficou um até um pouco mais tarde, pois a Funai estava promovendo comemorações por conta da data. Quando finalmente quis ir descansar na pensão onde estava hospedado, às 3h do dia 20, foi barrado pela dona do estabelecimento: o acesso só era possível até as 22h. Sem ter onde dormir, Galdino foi tentar descansar no ponto de ônibus na 704 Sul, esperando amanhecer a pensão abrir.
Por volta das 5h, um grupo de jovens estudantes, todos de classe média alta, voltavam de uma festa e passaram pelo ponto de ônibus onde Galdino dormia, então notaram sua presença. Eles foram até o posto de combustível mais perto e compraram dois litros de álcool. Após retornarem ao ponto de ônibus, Eron Chaves de Oliveira e Guetemberg jogaram o líquido inflamável em Galdino e outros atearam fogo em seu corpo.
Os jovens foram embora de carro enquanto Galdino se levantava desesperado, gritando de dor. Ele recebeu ajuda de outras pessoas, que tentavam apagar as chamas com água e com um extintor de incêndio. Galdino chegou no Hospital Regional da Asa Norte consciente, mas foi sedado porque sentia dores intensas. Na segunda-feira seguinte, 22 de abril de 1997, faleceu por insuficiência renal, provocada pela desidratação de seu corpo. O mau funcionamento dos rins afetou os demais órgãos. Galdino Pataxó tinha 45 anos e teve 85% do corpo atingido por queimaduras de terceiro grau e outros 10%, por queimaduras de segundo grau, o fogo só não atingiu a parte de trás da cabeça e a sola dos pés.
A policia conseguiu identificar os responsáveis graças à placa do carro, que um chaveiro que trabalhava lá perto anotou no momento do ocorrido. O dono do carro era Max Rogério Alves, que confessou o crime e entregou os outros, que logo confessaram sobre o que fizeram.
O julgamento dos assassinos aconteceu em 2001, onde os acusados disseram que a intenção nunca foi matar, mas sim assustar Galdino para que ele corresse atrás deles depois Gutemberg, que na época era menor de idade, foi condenado a um ano de prisão, mas cumpriu quatro meses no centro de reabilitação juvenil do Distrito Federal. Os outros foram presos, e em 2001 condenados a 14 anos, pelo júri popular, por crime de homicídio triplamente qualificado – por motivo torpe, meio cruel e uso de recurso que impossibilitou defesa à vítima.
Em agosto de 2004, menos de quatro anos após suas condenações, Max, Antônio, Tomás e Eron receberam liberdade condicional, o que revoltou familiares e grupos indígenas, causou comoção popular, e também uma onda de protestos pelo Brasil, por mostrar de maneira escrachada como o poder financeiro influencia o sistema judiciário.
Galdino quando foi para Brasília, tinha o desejo de proteger a terra indígena Caramuru-Paraguaçu, ocupada pela tribo pataxó-hã-hã-hãe, porque na época a área era o maior motivo para conflitos sangrentos com fazendeiros da região. Em 2012, o Supremo Tribunal Federal garantiu o direito de permanência dos indígenas na região, fazendo com que o empenho político de Galdino não fosse esquecido.
A área atrás do ponto da 704 Sul foi rebatizada, e lá criado um espaço memorial chamado Praça do Compromisso. Em 3 de junho de 1997, um ato de protesto marcou a inauguração da obra do artista plástico goiano Siron Franco, que criou o Monumento Galdino – tendo uma tonelada e 2,2m de altura. A peça foi produzida com base no desenho feito pela perícia policial do corpo do indígena. Atualmente a praça abriga os atos em defesa dos povos indígenas realizados em Brasília nos últimos 20 anos.
Sobre o termo “menor infrator” – email enviado pela ouvinte Maria Clara Silva Araújo
Durante o estudo realizado para a minha monografia (A biblioterapia como instrumento de socioeducação) as pesquisadoras e a promotora que me apoiaram durante a pesquisa, me alertaram para o fato de que o termo mais utilizado hoje é “adolescente em conflito com a lei”. Caso tenham interesse, explico abaixo a origem do termo “menor infrator” e tudo o que está vinculado a ele. O termo “menor infrator” surgiu devido ao modelo menorista criado a partir do Código de Menores de 1927 (também chamado de Código de Mello Matos), que tinha o objetivo de tirar das ruas e do convívio familiar crianças e jovens pobres que causavam desconforto à sociedade. Os jovens eram julgados de acordo com sua índole (boa ou má) e seu caráter. As crianças e jovens eram parte da regulamentação da lei não como sujeito de direitos, como passou a ser com o ECA, mas sim, como objeto de tutela do Estado. A partir do Código de Menores, o termo “menor” passou a ser utilizado para designar jovens pobres, não mais os menores de idade.
Nesse período, durante a República Velha, vigorava ainda um modelo de “justiça” marcado pela intervenção direta do Estado nas condições de vida das crianças e adolescentes. Tais intervenções tinham caráter higienista, com o objetivo de manter a ordem social. A preocupação das autoridades era deixar as ruas limpas “dos vagabundos, pedintes e desocupados – nessa categoria, alguns menores de idade faziam parte”. Toda a evolução referente aos direitos e deveres das crianças e adolescentes e o tratamento dado a esses jovens ao longo dos anos, está diretamente ligado ao processo de criminalização da pobreza. As teorias racistas e eugênicas que emergiram na Europa no século XIX, que condenavam as misturas raciais e as caracterizavam como produtoras de enfermidades e doenças físicas e morais, foram fortes influenciadoras para o pensamento brasileiro a respeito das famílias pobres e os jovens oriundos delas. Todo esse ideal menorista está também intrinsecamente relacionado a estudos ultrapassados, como a Antropometria lombrosiana.
Coimbra e Nascimento (2008) defendem que o Código de Menores estava vinculado ao ideal de higienismo, buscando tirar das ruas as crianças e jovens pobres. Além disso, as autoras explicam que, amparados pelo Código, autoridades retiravam os jovens de famílias dos chamados “pobres dignos” (que trabalhavam, eram religiosos e tentavam manter a família unida) com a justificativa de afastá-los do ambiente pernicioso da pobreza. Com base nessa ideia, os jovens eram mantidos longe de suas famílias e internados. Os períodos ditatoriais brasileiros, tanto o Estado Novo, quanto a ditadura militar oriunda do golpe de 64, fortaleceram os estabelecimentos destinados ao “regime educativo” de jovens. A Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor (FUNABEM), por exemplo, foi criada durante a ditadura militar. A FUNABEM estava incumbida de formular e implantar a Política Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBEM) e seus órgãos executores (Fundação Estadual de Bem-Estar do Menor (FEBEM), etc.).
Em 1979 foi promulgado um novo Código de Menores, responsável por criar o “menor em situação irregular”, que abrange desde o jovem abandonado até o autor de ato infracional. Scisleski explica que os jovens eram considerados seres de direitos apenas quando estivessem em “estado de patologia social, definida legalmente”. Esse estado era decretado quando fosse observada a Doutrina da Situação Irregular, quando o jovem era retirado de sua família e enviado às instituições de internação devido à pobreza de sua família. Toda a mudança com relação ao tratamento de crianças e jovens tem início com a ratificação da Declaração Universal dos Direitos da Criança e do Adolescente da Organização das Nações Unidas (ONU), onde os jovens passaram a ser vistos como sujeitos de direito e merecedores de cuidados especiais e proteção. Foi então que, em 1990, foi criada a Lei Federal nº 8.069/1990, também conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A partir de então, o Código de Menores de 1979 é revogado e passa a ser adotada a Doutrina da proteção Integral.
Apesar de todas as mudanças, Scisleski destaca o fato de ainda hoje o termo “menor” ser utilizado para se referir a crianças e adolescentes, tanto em documentos, quanto no uso corrente da imprensa e da população em geral. Os autores sugerem que a insistência no uso do termo não é apenas por costume, mas sim, uma forma de ainda fomentar o modelo menorista. Ainda hoje, mesmo com os avanços da legislação, as crianças e os adolescentes continuam sendo a parcela da população mais exposta às violações de direitos pelas três esferas que deveriam protegê-los: família, Estado e sociedade. A população, em geral, está mais propensa a mobilizar-se sempre que se trata de defender vítimas de possíveis agressores, principalmente quando se trata de crianças indefesas. Embora os adolescentes em conflito com a lei se encaixam nesse quadro, não encontram apoio na defesa dos seus direitos, a prática do ato infracional os desqualifica enquanto adolescentes. Segundo Volpi (1999, p. 9) “é difícil para o senso comum juntar a ideia de segurança e cidadania. Reconhecer no agressor um cidadão parece ser um exercício difícil e, para alguns, inapropriado”.
ARAÚJO, Maria Clara Silva. A biblioterapia como instrumento de socioeducação. 2018. 100 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Biblioteconomia)—Universidade de Brasília, Brasília, 2018. Disponível em: https://bdm.unb.br/bitstream/10483/21839/1/2018_MariaClaraSilvaAraujo_tcc.pdf
Bibliografia:
ALVAREZ, Marcos César. A criminologia no Brasil ou como tratar desigualmente os desiguais. Dados, Rio de Janeiro, v. 45, n. 4, p. 677-704, 2002. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52582002000400005&lng=pt&nrm=iso . Acesso em: 24 out. 2018.
COIMBRA, Cecília Maria Bouças.; NASCIMENTO, Maria Lívia do. A produção de crianças e jovens perigosos: a quem interessa? 2008 Disponível em: http://www.infancia-juventude.uerj.br/pdf/livia/aproducao.pdf . Acesso em 21 fev. 2018.
MONTE, Franciela Félix de Carvalho et al. Adolescentes autores de atos infracionais: psicologia moral e legislação. Psicol. Soc., Florianópolis, v. 23, n. 1, p. 125-134, abr. 2011. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-71822011000100014&lng=pt&nrm=iso . Acesso em 21 fev. 2018.
OLIVEIRA, Maruza B.; ASSIS, Simone G.. Os adolescentes infratores do Rio de Janeiro e as instituições que os “ressocializam”. A perpetuação do descaso. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 15, n. 4, p. 831-844, Oct. 1999. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X1999000400017&lng=en&nrm=iso . Acesso em 21 fev. 2018.
SCISLESKI, Andrea Cristina Coelho et al. Medida Socioeducativa de Internação: dos Corpos Dóceis às Vidas Nuas. Psicol. cienc. prof., Brasília, v. 34, n. 3, p. 660-675, set. 2014. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932014000300660&lng=pt&nrm=iso . Acesso em 01 maio 2018.
VOLPI, Mário (Org.). O adolescente e o ato infracional. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1999. 87 p. ISBN 85-249-0648-
Fontes:
https://osbrasisesuasmemorias.com.br/biografia-galdino-pataxo/
https://pt.wikipedia.org/wiki/Galdino_Jesus_dos_Santos